Parece-me evidente que o fenómeno da prostituição travesti, se inclui num outro a que se convencionou designar globalização, onde os fluxos de pessoas, ideias, imagens, capitais, informação, se processam a um ritmo nunca antes verificado, propiciando o encontro de culturas e sub - culturas. Salienta-se no meio travesti, a importância da Internet, não só como forma de publicidade e anúncio, mas como componente de uma comunicação com familiares, amigas, amigos, clientes, etc. A globalização assim entendida, como compressão de duas das categorias fundamentais da organização humana, espaço e tempo (Harvey:1989) ou como processo de intensificação brutal de fluxos de capitais mercadorias, ideias, cultura e pessoas à escala mundial e das relações, articulações e dependências que se geram por seu intermédio entre indivíduos e sociedades (Giddens1990, 2000), mostra-se também presente neste caso, não só pelas dinâmicas migratórias por si potenciadas, mas por tudo o que os indivíduos transportam ao iniciá-las, a sua cultura, os seus saberes, a sua imagem, etc.
Os indivíduos observados, quer na minha pesquisa, quer noutras que vão estando presentes ao longo do texto, apresentam uma dinâmica de grande mobilidade geográfica, que é acompanhada por remessas pecuniárias periodicamente enviadas para o país de origem. Aliás, parece dar-se o caso da sua identidade de género ser familiarmente aceite, a partir do momento em que ela se revela uma fonte de rendimento suplementar para a família:
Money is thus a central reason why travestis prostitute themselves. They need to earn more money partly to be able to eat and pay their rent, but also to maintain affective relationships with their boyfriends and family (Kulick1998:182).
Por outro lado;
Grosso modo, travestis são indivíduos biologicamente masculinos que, através da utilização de um complexo sistema de” techniques du corps” (Mauss1996), moldam seus corpos com características ideologicamente ligadas ao feminino (Pelúcio2005:1).
Esta identidade de género é mais volátil e ambígua ou se preferirmos estratégica, que a identidade de sexo, o que faz com que eu sustente um raciocínio ligeiramente diferente do que se verifica com as minhas informantes, estas afirmam que não se trata de uma opção, que é algo que está nelas, que nasce com elas. Pois bem, esta ambiguidade na construção de discursos de género, relativamente à mulher, ao cliente, ao “marido”, faz-me crer que existe aqui muito de cultural, por outras palavras uma intima conexão entre natureza e cultura, um aprender ou reaprender de um outro ethos de grupo, o feminino, que consoante as situações se evidencia ou se vai dissipando em maior ou menor grau. A não coincidência exacta entre sexo e género, não se verifica apenas nos travestis;
Nos Inuit, mais conhecidos pelo nome de esquimós (…) a criança que vem ao mundo tem um sexo aparente, mas o sexo não é necessariamente considerado o seu sexo real, com efeito, o sexo real é fornecido pela identidade pela alma-nome, isto é, o sexo do antepassado cuja alma-nome penetrou tal mulher, se instalou na matriz para nascer de novo (Hérritier1996: 191).
Tal demonstra que a partir da questão da observação e classificação das diferenças de sexo, se ergue um vasto “mundo” de construções simbólicas onde se incluem as de género, assim, parece que para as travestis, sê-lo não é uma questão de opção, sem o referirem objectivamente, partilham duma abordagem mais biológica do que cultural. A minha perspectiva é mista, natureza e cultura influenciando-se reciprocamente, em que a fase infantil de aculturação me parece ser de extrema relevância (Whiting & Child1973, Mead1988).
De qualquer forma, sendo como que uma terceira via em permanente estado de liminaridade, ela assenta nos modelos de masculinidade e feminilidade do sexo biológico e das construções culturais realizadas a partir da constatação base dessa diferença. A penetração ou o ser penetrado, os gestos, a aparência, os papéis na cama e na sociedade, a maior plasticidade de comportamentos, geram uma espécie de terceiro género, nem homem, nem mulher, mas sim um sincretismo identitário de ambos;
Out of this trinity of gendered types, it would be possible to construct the argument that travestis operate within, and indeed themselves embody, a system in which there are three genders – men, women and travestis (Kulick1998:226).
Moreover, identity has come to supply something of an anchor amidst the turbulent waters of the - industrialization and the large - scale patterns of planetary reconstruction that are hesitantly named “globalization” and “late modernity” (Woodward 1997:312).
No fundo esta plasticidade identitária, traduz a necessidade de sobreviver em condições adversas, numa aparente não existência ou reconhecimento social deste terceiro género, numa comunidade à escala planetária em permanente convulsão.
Os indivíduos observados, quer na minha pesquisa, quer noutras que vão estando presentes ao longo do texto, apresentam uma dinâmica de grande mobilidade geográfica, que é acompanhada por remessas pecuniárias periodicamente enviadas para o país de origem. Aliás, parece dar-se o caso da sua identidade de género ser familiarmente aceite, a partir do momento em que ela se revela uma fonte de rendimento suplementar para a família:
Money is thus a central reason why travestis prostitute themselves. They need to earn more money partly to be able to eat and pay their rent, but also to maintain affective relationships with their boyfriends and family (Kulick1998:182).
Por outro lado;
Grosso modo, travestis são indivíduos biologicamente masculinos que, através da utilização de um complexo sistema de” techniques du corps” (Mauss1996), moldam seus corpos com características ideologicamente ligadas ao feminino (Pelúcio2005:1).
Esta identidade de género é mais volátil e ambígua ou se preferirmos estratégica, que a identidade de sexo, o que faz com que eu sustente um raciocínio ligeiramente diferente do que se verifica com as minhas informantes, estas afirmam que não se trata de uma opção, que é algo que está nelas, que nasce com elas. Pois bem, esta ambiguidade na construção de discursos de género, relativamente à mulher, ao cliente, ao “marido”, faz-me crer que existe aqui muito de cultural, por outras palavras uma intima conexão entre natureza e cultura, um aprender ou reaprender de um outro ethos de grupo, o feminino, que consoante as situações se evidencia ou se vai dissipando em maior ou menor grau. A não coincidência exacta entre sexo e género, não se verifica apenas nos travestis;
Nos Inuit, mais conhecidos pelo nome de esquimós (…) a criança que vem ao mundo tem um sexo aparente, mas o sexo não é necessariamente considerado o seu sexo real, com efeito, o sexo real é fornecido pela identidade pela alma-nome, isto é, o sexo do antepassado cuja alma-nome penetrou tal mulher, se instalou na matriz para nascer de novo (Hérritier1996: 191).
Tal demonstra que a partir da questão da observação e classificação das diferenças de sexo, se ergue um vasto “mundo” de construções simbólicas onde se incluem as de género, assim, parece que para as travestis, sê-lo não é uma questão de opção, sem o referirem objectivamente, partilham duma abordagem mais biológica do que cultural. A minha perspectiva é mista, natureza e cultura influenciando-se reciprocamente, em que a fase infantil de aculturação me parece ser de extrema relevância (Whiting & Child1973, Mead1988).
De qualquer forma, sendo como que uma terceira via em permanente estado de liminaridade, ela assenta nos modelos de masculinidade e feminilidade do sexo biológico e das construções culturais realizadas a partir da constatação base dessa diferença. A penetração ou o ser penetrado, os gestos, a aparência, os papéis na cama e na sociedade, a maior plasticidade de comportamentos, geram uma espécie de terceiro género, nem homem, nem mulher, mas sim um sincretismo identitário de ambos;
Out of this trinity of gendered types, it would be possible to construct the argument that travestis operate within, and indeed themselves embody, a system in which there are three genders – men, women and travestis (Kulick1998:226).
Moreover, identity has come to supply something of an anchor amidst the turbulent waters of the - industrialization and the large - scale patterns of planetary reconstruction that are hesitantly named “globalization” and “late modernity” (Woodward 1997:312).
No fundo esta plasticidade identitária, traduz a necessidade de sobreviver em condições adversas, numa aparente não existência ou reconhecimento social deste terceiro género, numa comunidade à escala planetária em permanente convulsão.
4 comentários:
Sem dúvida que a proposta fornecida tem muitos pontos válidos e próximos de uma explicação global. Porém, em todos os fenómenos sociológicos há um
fenómeno individual. Infelizmente, a tentativa actual é a de demonstrar, contrariamente à psicologia, que tudo se pode explicar se atentarmos nas completas sócio-culturais no seu vasto complexo de apresentações. Contudo, a meu ver, essa abordagem consiste num erro e num erro grosseiro, pois é esquecer que podemos estudar e até provocar fenómenos de massa, ajuntamentos de forma relativamente fácil. Porém, no caso do fenómeno 'travesti' não existe propriamente um elemento novo, o que existe e é bem referido, é uma globalização provocada por um advento da Internet que propicia esses contactos e que vai tornado cada vez mais misógino o mundo humano contemporâneo.Contudo, essa 'travestização'dá-se em culturas africanas pouco populares (no duplo sentido) e em algumas tribos tanto da Australia como do continente americano, aí não creio que a Internet intervenha. há um outro factor a relevar, a psicologia tentou reduzir tudo a fenómenos psíquicos, sabemos que de certo modo isso até nos tornou algo esquizofrénicos, algo alucinados e será bom que a antroplogia e a sociologia não enveredem por caminhos redutores. Importa aqui, para retira conclusões um pouco mais definitivas, saber que factores psicológicos levam a essa «alterização» da personalidade. Como é muitíssimo bem visto, há uma certa tebdência para se sentir aprisionado no corpo, ora isso não é só um fenómeno social, porque antes de sermos sociais somos indivíduos sociais, e parece-me que esse factor do terceiro sexo (que é propriamente o que o autor citado se estava a referir,a expressão é 'gender') como modo de masacarar determinados actos tem uma componente sociológica, antropológica portanto, uma psicológica claramente, e outra biológica (e aqui refiro-me a tendências não escolhidas mas às quais a mente dos travestis se adaptam) esses factores são complemetares e não reduzidos ou redutíveis uns aos outros.
Para finalizar: bom texto. Muito interessante, continuar com o bom trabalho =)
Bela, falas em mobilidade geográfica. Não será (também) pela necessidade de “fugir” dos meios atrofiantes que fazem questão de lembrar (e “exigir”) o sexo com que se nasceu?
Sobre a prostituição:
Há, naturalmente, transexuais (equivalente ao travesti no Brasil)que se prostituem porque esse é o seu desejo. No entanto, não há que esquecer a dificuldade que há em empregar-se noutros meios, quando o nosso BI apresenta um nome masculino (se formos um transexual Male To Female) e a nossa aparência indicar que somos mulheres…
Cultura/ Biologia:
Defendes o interaccionismo. Quais seriam, então, os factores de aculturação na fase infantil que estariam envolvidos na "travestismo"?
Henrik, concordo em grande parte com o teu comentário, mas existindo fenómenos individuais, são sobre esses que a Psicologia tem, necessariamente, de se debruçar... E isso não invalida que se deixe de considerar a influência dos factores sociais, biológicos, antropológicos, etc, nesses fenómenos individuais. É que nessa perspectiva, a sociologia é redutora (e nos deixa a todos sociopatas) cada vez que analisa as questões... sociais! ;)
É de facto extremamente difícil expôr num post apenas, uma série de ideias que se vão debatendo ao longo de cerca de 100 páginas, mas os pontos levantados são pertinentes. Existe a prostituição por vontade própria e pela busca de prazer também (a prostituição travesti, tem pouco a ver com a feminina) e paralelamente a dificuldade em arranjar trabalho, tenho depoimentos nos dois sentidos e uns não excluem necessáriamente os outros. Quanto ao aspecto da fase infantil, é com efeito uma hipótese que coloco, visto que a grande maioria das pessoas com quem falei, são provenientes de Belém do Pará, o que faz com a visibilidade do fenómeno lá e consequente habituação seja outra. Por outro lado o Umbanda e o Candumblé promovem rituais de inversão de género e ambos são factores culturais a ter em conta numa fase juvenil.Quanto à mobilidade geográfica não tem neste aspecto, a ver com factores atrofiantes, mas sim com a busca de rendimentos mais altos ao emigrarem para a Europa ou dentro do brasil ao migrarem para São Paulo, Campinas ou Rio. Ao emigrarem para a europa, no universo que observei, auferem bom dinheiro, uma mau dia no caso de Adriana, corresponderá a 150€. Por outro lado, o saltar de cidade em cidade ou de país em país, tem a ver com mercado na indústria do sexo. Quando falei na internet, referia-me essencialmente ao papel crucial que ela desempenha nos contactos mantidos com amigos, família, como meio de comunicação mesmo.É preciso verificar que o fenómeno travesti despontou no brasil com esta pujança na década de 70, não foi assim há tanto tempo.O facto de estarem a vir para cá, inclui-se numa emigraçao brasileira mais vasta para Portugal e que observou dois ou três períodos distintos (Teresa Baganha), incluindo-se o das travestis no mais recente, anos 90, os fenómenos não são indissocáveis. Agradeço os vossos comentários:)mas é complicado em posts dar toda a ideia pretendida, no fundo o que tenho tentado fazer é dar assim umas snapshots, a visão de umas paisagens de uma realidade que creio ser desconhecida pele maioria.
Pertinente
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