sexta-feira, 4 de maio de 2007

Natureza vs cultura



O contacto com outros padrões de cultura acrescenta sempre, nunca subtrai nada àquilo que somos. Decidi começar por esta frase, que parece ter-se revelado interessante para uma amiga, ao ler parte de um trabalho que venho realizando. O contacto...esse contacto implica as tais fronteiras de que sapiens fala no anterior post, fronteiras e contactos implicam fricção, sendo que tal pode revelar-se em diversas e diferentes escalas e planos de análise, podem ir desde as fronteiras entre países, até às fronteiras entre pais e filhos. Como sapiens refere implicitamente, a existência de fronteiras é condição sine qua non para a produção de identidades, sem fronteiras nasceria a indiferença, a igualdade...o mito. Não é possível a inexistência de fronteiras ou a existência de indiferença na construção de identidades. Podem abulir as fronteiras fisicas, materiais, continuarão sempre a existir as simbólicas. As fronteiras fisicas são de certo modo as instituições, as simbólicas são as práticas incorporadas num determinado ethos, o que nos remete para a questão de Guiddens relativa a qual das coisas nasce primeiro, as instituições ou as práticas? Para mim, creio que nascem sempre as práticas...se de forma não natural as instituições nascerem primeiro, teremos um pronúncio de morte, como diria Hegel. Não emanam da dinâmica social, antes a tentam conformar previamente...atribuindo-lhe uma forma antes de existir um conteúdo. O fato pode ficar largo, ou demasiadamente apertado...dificilmente terá a medida de um conteúdo projectado, mas não existente. É isso que a política é para mim, é o que representa...um fato uniforme e projectado para uma multiplicidade desconhecida. A política conhece as fronteiras fisicas e geográficas que inventa, desconhece as fronteiras simbólicas que lhes pré-existem. A política é um deus...deus é ser poderoso...eu não acredito em deus, nem na humanidade...logo não acredito na política. Acredito no sujeito individualmente considerado e nas suas fronteiras, religadas em escalas diversas a fronteiras de grupos e se quisermos continuar...a fronteiras entre países. Acredito igualmente no contacto só possível com fronteiras. O contacto com outros padrões de cultura só acrescenta, nunca subtrai nada àquilo que somos.


Vivemos numa contradição implicita e imanente...negar a nossa condição animal, enquanto parte da natureza...como tal é necessária a ordem...a ordem é a política, a religião, as ideologias, etc. Que conseguimos com isso? Bem...o que conseguimos com isso foi que em circunstâncias normais deixámos de matar para nos alimentarmos...passámos a matar para justificar valores mais altos, porque sofisticadamente racionais, criámos exércitos, religiosos até...assistimos a genocídios produto de atitudes racionais de uns, mas conseguimos a cada dia que passa...matar a natureza...mas somos racionais, já não matamos para comer, mas sim para justificar a cultura. A ordem é fictícia...quando a sua aparência se dilui como o fumo de um cigarro, chama-se a polícia de intervenção e dá-se porrada...mas já não matamos para comer, nem praticamos canibalismo...existem instituições, fronteiras físicas mas não simbólicas. Existem recipientes, mas não conteúdos, existem produtos...mas não pessoas. Pré existem as instituições, às práticas. A natureza está moribunda.




Será que algum dia o racionalismo vai perceber que é um produto da natureza e não uma sua condição?

1 comentário:

sapiens disse...

Disseste que
vivemos numa permantente condição de negar a natureza e disseste muito bem, no entanto eu penso que se esta questão é de facto universal terá de constituir ela própria um trunfo adaptativo do ser humano na conquista do seu lugar na fauna e ecologia planetária. Sinceramente penso que o homem não está contra a natureza se de facto foi a natureza criou o homem (não , não acredito que foram os ET´s que nos trouxeram de um mundo distante ). A nossa capacidade reflexiva e racional é que nos faz conceber-nos a nos proprios como um ser que desafia as normas da natureza.. no entanto qual é o ser que não as desafia? qual é o ser qeu aparentemente não tem truques que não parecem naturais... podemos dizer que um simples morcego não respeita a natureza porque joga o jogo "sujo" com as pobres das mariposas.. no entanto não se trata de nada disso, a natureza não tem regras nem é "boazinha", a natureza existe em constante evolução.. e , nós, seres humanos constituimos apenas mais uma das suas "obras de arte", se pensamos que desafiamos a natureza é porque não encontramos outro animal que seja, á nossa semelhança , tão rapido a contornar as supostas leis da natureza, mas a isso chama-se adaptação. o ser humano possui um trunfo memético e , de certa forma mimético que lhe permite apoderar-se dos trunfos de todos os outros animais reproduzindo-os.. voamos como as aves, nadamos e mergulhamos como os peixes, temos as maiores armas de guerra e de caça como se condensassemos em nos mesmos os trunfos desenvolvidos pela genética milenar de todo o reino animaal... as qeu existem , as que já se extinguiram e as que provavelmente ainda não se desenvolveram.. e é assim, somos isto (confesso que jogava a um jogo de computador delirante, onde a minha tribo.. os protoss também se apoderavam de todos os trunfos belicos dos inimigos através de um simples golpe de magia tinha tudo... canhões de disparar a longa distancia dos terran , maquinas de reprodução macissa de armas de guerra vivas dos zerg... e gostava! gostava porquê? porque no fundo é isto que está na nossa própria essencia.

Quanto á política parece ser como dizes uma imposição externa aos individuos, e , é-o de facto, mas a política parece ter o seu q de religioso, uma espécie de movimento milenarista que nos salvará de todos os males através de aliciantes promessas de um mundo melhor. ora, isto só pode assentar em dois principios: o primeiro é o de que a nossa condição , tal como a condição de qualquer animal ou ser vivo é precária em si mesma, mas mais precária ainda suponho por todos os constrangimentos da sociabilidade. segundo: não é tão arbitrário assim o regime que se sobreleva. os regimes políticos nunca são totalmente impostos, eles comprometem-se a servir principios pré-existentes ou seja, não há sistema político que se consiga sobrelevar se contrariar as bases simbólicas de um pensamento popular. a política é assim um instrumento inicialmente negocial mas que
por vezes se tornam tirano e não cumpridor, no entanto não devemos pensar que os individuos são eternamente vitimas da política pois esta também é um instrumento seu.