quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A riqueza das nações, Adam Smith. Breve resenha histórica da economia e dos fundamentos do economicismo

Viver em sociedade pressupõe disponibilidade para o intercâmbio que, por razões que lhe são imanentes, conduziu o homem, enquanto espécie considerado, à divisão do trabalho. Tal princípio ocorre tão naturalmente como a aprendizagem da língua. Ao nível da economia, a divisão do trabalho é a grande causa do aumento da capacidade produtiva e ocorre primordialmente em momentos de estabilidade social, evoluindo tendencialmente para novas subdivisões, como elos de uma corrente que se acrescentam, sem se excluírem. Adam Smith começa por se referir às artes insignificantes, que na sua óptica são aquelas que suprem as necessidades de grupos reduzidos. Exemplifica com a produção de alfinetes, em que o número de trabalhadores é baixo, o que considera ser consequência da especialização do trabalho. Neste tipo de produção assiste-se à execução, pelo mesmo sujeito, de duas ou três tarefas distintas, não correspondendo por isso à divisão do trabalho strictu sensu, implicando de qualquer forma um já apreciável aumento de produtividade. A estes ofícios menores, assim considerados sob um ponto de vista economicista, em virtude do escasso mercado a que correspondem, opõem-se as grandes industrias que visam satisfazer necessidades em larga escala, para as quais existe um vasto mercado a preencher.Nestas, o processo produtivo exige um número maior de indivíduos, sendo que, nestes casos a divisão do trabalho é maior, apesar da sua menor visibilidade, devida à superior dispersão dos trabalhadores, que pela sua quantidade não caberiam numa só oficina.
O que se verifica, é que em ambos os casos a divisão do trabalho, seja em que grau for, acarreta sempre um aumento dos poderes produtivos do trabalho. Este princípio é característico das sociedades mais ricas e opulentas em termos económicos. Adam Smith, aponta igualmente, diferenças práticas do referido princípio, conforme se aplique à agricultura ou à indústria. A agricultura está condicionada pela sazonalidade que lhe é inerente, o que por motivos economicistas lógicos, impede o empresário agrícola de manter um homem constantemente empregado numa função que carece de regularidade, pelo carácter cíclico das estações. Ou seja nas sociedades mais ricas, a solos mais férteis, maior capacidade produtiva, maior investimento não corresponde necessariamente a colocação de produto mais barato no mercado, na medida em que o princípio da divisão do trabalho é condicionado pela sazonalidade específica dessa produção agrícola. Deste modo, segundo Adam Smith, a concorrência dos países mais pobres com os mais ricos sofre menos restrições, sendo possível por parte dos primeiros a colocação de produtos no mercado a preços concorrenciais. Assim, temos que a divisão do trabalho gera aumento da quantidade de trabalho, a qual é explicável pela relação que se estabelece entre os seguintes factores:
- Aumento da destreza do trabalhador.
- Poupança do tempo que se perde ao passar duma actividade para outra.
- Invenção de um grande número de máquinas que facilitam e reduzem o emprego de energia humana, de tal forma que um só homem realiza o trabalho de muitos.
Na altura em que Adam Smith, editou a obra de que nos ocupamos, já a primeira fase da revolução industrial estava em curso, o ferro, os tecidos, o vapor, estavam já em franco desenvolvimento, no que à sua utilização diz respeito. Os movimentos protestantes de Calvino, e em menor escala Lutero introduziram com o renascimento a especulação com os juros bancários, uma outra significação foi atribuída ao trabalho, a vocação e a devoção eram a forma de realizar os desígnios de Deus em terra ( WEBER, 1996 [1905]: 57). Aproximava-se a revolução Francesa de 1789, grandes filósofos como Kant reestruturavam a relação dos sujeitos com os objectos (Revolução Coperniciana), Hegel um pouco mais tarde, com o seu colectivismo metodológico, abarca todas as áreas de acção humana no espírito mundial, que progride com racionalidade histórica, e se é racional, contém implicitamente um certo grau de previsibilidade (o padrão da lógica é a matriz económica, Shumpeter), ao qual se acrescenta o materialismo histórico de Karl Marx, com profundas consequências na economia, doravante equacionada como intimamente relacionada com os elementos históricos e sociais, sendo que o valor da mercadoria está na quantidade de trabalho socialmente necessária para a produzir, o que, já no séc.XX viria a ter actualização e desenvolvimentos com “Les annales d`his toire économique et social”, onde desempenham papel de relevo Lucien Febvre, Marc Bloc e Braudel.
Nesta ambiência, distingue-se o trabalho produtivo do não produtivo, os rituais característicos da ciclicidade agrícola sofrem severos danos na sua estrutura, a racionalidade, o cálculo, o economicismo (BOURDIEU, 2002 [1972]: 242-247) transformam os seus contornos, o capital simbólico não desaparece mas, reformula-se. Durkheim, no trabalho que constituiu a sua tese de doutoramento, “Da Divisão Social do Trabalho”, refere-se às sociedades de solidariedade mecânica como aquelas em que cada um desempenha qualquer função, por oposição à solidariedade orgânica em que se assiste à especialização de funções como consequência das variáveis independentes, volume, densidade material e densidade moral que produzem variáveis dependentes como a arte, o direito, a economia, etc…Estas variáveis são dependentes porque residem no individuo, quanto maior for o seu número, maior será a divisão social do trabalho. Para Durkheim a economia constitui o sector mais profano das actividades do ser social, e na sua lógica de consenso, propõe as corporações como forma de mitigar os conflitos e anomias dela resultantes. Na economia ocupa lugar de destaque o contrato, também a ele Durkheim presta atenção, sem no entanto fugir aos pressupostos do seu pensamento. A sociedade pré-existe ao individuo, é dela que surge a divisão do trabalho e como sequência destas o contrato, como forma de regular juridicamente uma tendência natural da sociedade. Considero que neste aspecto, Adam Smith partilha destas ideias, visto que, também ele faz derivar da cooperação, acto só possível em sociedade, a divisão social do trabalho. O comportamento económico não é um acto de altruísmo, baseia-se no cálculo das minhas necessidades e na forma de as suprir, recusando o desperdício (NEVES, 1994: 29), através do relacionamento com o outro. Não é da boa vontade do homem do talho, que posso esperar ter um bife à mesa, mas sim do seu interesse (NEVES, 1994). Neste sentido, a construção racional baseada na ideia de que a antropologia surge para diminuir a questão entre o eu e o outro, o nós e o eles, (CASAL, 1996: 12), faz todo o sentido na abordagem antropológica das questões relacionadas com a troca, sendo que a economia não se resume às trocas financeiras, a decisão de ler um livro ou ir ao cinema, envolve igualmente custos e benefícios, que o agente pode e deve ponderar. Talvez a antropologia, consiga incutir um pouco de bom senso e humanismo, refreando o ímpeto do imperialismo economicista que se abate sobre as sociedades contemporâneas (NEVES, 1994: 15-17). Sendo relevante realçar, que a divisão do trabalho não opera em exclusividade na economia, fá-lo igualmente relativamente a outras instituições sociais, como a família, as escolas, etc..., pelo que se considera um fenómeno social total (Marcel Mausse), exigindo a interdisciplinidade para a sua compreensão. Esta tendência errada, para ver a economia como exclusivamente ligada às escolhas materiais (Neves, 1994: 13), decorrerá provavelmente, de um crescente consumismo, que fez com que ao longo de dois centúrios, a teoria do valor, que o incorporava na própria mercadoria sob a forma de unidades de trabalho/tempo, se deslocasse para uma teoria de pendor subjectivo, em que valor reside na utilidade que essa mercadoria tem para quem a consome, esse processo inicia-se com a escola de Viena, desenvolvendo-se com Stanley Jevons, Walras (Esc.Lausanne) e Alfred Marshal, atribuindo este, especial relevo à racionalidade e equilíbrio da decisão económica.
SMITH, Adam (1999 [1776]) ”Da Divisão do Trabalho” in A Riqueza das Nações, Vol. 1, Lisboa, Edições Calouste Gulbenkian, pp.77-91.

6 comentários:

Alê Quites disse...

Salve!

Anónimo disse...

Deus é pai!! Salve[2] ^^

Heretiano Henrique Pereira disse...

Trabalho, definido como mão-de-obra,tanto direto quanto indireto, se trata de um dos fatores para qualquer processo de produção, por outro lado, sempre se deve analisar qual seu comprometimento com o custo de produção, onde esse cálculo deve ser traduzido em indicador, geralmente não apresenta relevância, assim sendo, não deixa de está incorporado ao preço de venda. Por outro lado, temos observado que no Brasil, querem dar ao empregado o mesmo tratamento da China.

Anónimo disse...

Quero corroborar com Marcel Mauss qdo diz que tal fato deve englobar a cross-disciplinarity na explicacao de fenomenos sociais.Ou seja,se a economia vêem do ponto de vista material aliada a racionalidade em ganhos,a sociologia,antropologia,etc,tendem a explicar tais fenomenos nao so tndo em conta os pay-offs,mas tbm de uma perspectiva humana e social.

Maíra Botelho disse...

Oi, sei que não tem relação, mas gostaria de ler e não sei uma boa edição, vc poderia indicar?

Unknown disse...

Quais os comparativos desse texto , com os dias de hoje ?