quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O estado

Na verdade parece-me que o sistema democrático acaba por ter pelo menos uma coisa de positivo, a saber: a total irresponsabilização dos cidadãos face ao estado do país, que assim dormem um pouco melhor por terem algo de abstracto para onde direccionar a sua impulsividade culpabilizante: o estado, esquecendo que na verdade o estado somos todos nós, actualizado em práticas e discursos ritualizados, visíveis não só no preço dos transportes, mas também no comportamento diário dos seus utilizadores. Não é difícil ouvir portugueses de classe social e capital intelectual não convergentes, dizerem exactamente o mesmo, num qualquer café de esquina. Os que não frequentam cafés, di-lo-ão ao assistir a um jogo de futebol, enquanto chamam filho da puta ao àrbitro ou então, enquanto como pano de fundo ouvem Marilyn Mason (beautiful people, por exemplo). Por outro lado, jamais como indíviduo eu me sentirei confortável ao colocar as questões como superioridade ou inferioridade civilizacional (a verdadeira civilização). A verdade é que o ideal democrático dos democratas, reside em que este sistema coloque o mundo e seus agentes de forma plasticamente moldável aos seus anseios e aspirações. Mais uma vez a questão de se partir da forma para a matéria, do estado democrático, esquecendo as práticas das pessoas que o constituem, conformando inequivocamente a sua ontologia circunstancial. Nunca haverá democracia, nem justiça, simplesmente porque são criação humana historicamente fabricada e não ideias com existência em si mesmas. Por tudo o que disse, creio ser evidente que partilho nalguns aspectos, os pontos assinalados como errados em Portugal, simplesmente não me excluo da sua existência. Em Portugal só um parvo vai para a política de top, recebe mal e arrisca-se a ser enxovalhado por uma multidão furiosa que acha que o poder políco e os valores que o conformam, são completamente alheios às suas próprias práticas. Não se esqueçam que nos E.U.A. o paradigma civilizacional máximo, na perspectiva de muitos dos que insistem em ver as coisas por este prisma, a democracia atinge o seu pleno quando se procede a uma acusação com deferimento judicial, que constitui como arguido DEUS, responsabilizando-o por todas as catástrofes terrenas. Outra também muito engraçada, uma senhora que processa o fabricante de micro ondas, porque após dar banho ao gato decidiu secá-lo nesse aparelho. O juís desse processo, não só aceitou a queixa, como condenou o fabricante por nas instruções não referir que não podia utilizar-se o micro ondas para secar gatitos molhados.

3 comentários:

sapiens disse...

sim, tenho de concordar...na verdade falamos de irresponsabilização. A democracia favorece a irresponsabilização individual face aos problemas da sociedade, isto acontece porque a democracia parece favorecer também a liberdade e associada a ela o anonimato que todos tanto apreciamos.
Existe no entanto um elemento fundamental em tudo isto, e referes-te a ele, todos, quer os que vêm o futebol, quer os que consomem o cinema mais sofisticado e selecto parecem condenar o comportamento alheio.essa condenação serve mais uma vez um mecanismo de marcação e distinção identitaria... mas, segundo vejo, falta-nos coerencia entre o que dizemos e o qeu relmente fazemos... parece viver-se muito de aparencias. A verdade é que as criticas nada resolvem, elas sao na sua essencia parte do mesmo elemento que nos condena a repetirmos os mesmos erros: traços culturais.
criticar o próximo é tAo proprio do "portuga tipico" como incorrer nos mesmos erros desde que ninguem veja. o que é realmente necessário é foe lhes fornecer informaçºao e educar para a responsabilidades. eu apenas gostaria de conseguir acreditar nas proximas gerações mas feliz ou infelizmente estas tendem a beber talvez demasiado do que lhes é ensinado pelas gerações que lhes dão origem.

Henrik disse...

Exactamente!! as críticas até que resolvem, porque sem discussão há assuntos que nunca serão debatidos.Mas no fundamental acho que é exactamente isso que agora escreveste.

R disse...

São os paradoxos da democracia. Mas haverá alternativas?