Mudando um pouco a temática dos últimos, e em certa medida "polémicos" posts, gostaria de partilhar convosco uma história que me foi contada por uma amiga e mãe.
O tema centrar-se-á sobretudo na educação e forma como se desenvolve a percepção da diferença pelas crianças, com base numa história vivida e contada na primeira pessoa.
Ora, essa minha amiga tem uma filha actualmente com quatro anos.
Todos sabemos que as crianças por vezes têm medo de certas coisas, algumas têm medo de insectos, outras de palhaços, outras de pessoas mascaradas no geral mas a filha da minha amiga desde bebé que evidenciava medo de pessoas de alguma forma mais escuras do que ela ou do que os seus pais. Algo que se passava com as pessoas de origem africana em geral mas até com pessoas com cores de pele um pouco mais morenas do que o padrão de cor de pele da sua família. Assim, a própria tia sendo um pouco mais morena, era "cumprimentada" com uma birra sempre que lhe pegava ao colo e continua até aos dias de hoje a ser olhada pela pequena com um certo receio. A mãe, ao aperceber-se do que se passava achou que tinha de lhe explicar que as pessoas mais escuras não lhe faziam mal e que por isso ela não deveria de ter medo e lembra-se de fazer um paralelo explicativo de substituição, uma vez que um bebé não iria compreender os conceitos biológicos da melanina, da causalidade das condições climatéricas e das determinações genéticas...
Assim, lembrou-se expontaneamente de lhe explicar que as pessoas mais escuras eram como os velhinhos... eram apenas pessoas velhinhas, apenas isso e que não teria de ter medo. Acontece que até aos dias de hoje a pequena continua a pensar que as pessoas pretas ou simplesmente mais morenas se encontram nalgum estado de velhice mais avançada do que ela e que os meninos pretos já são velhinhos e que em breve morrerão... sim, porque foi-lhe explicado numa história que em nada tem a ver com este raciocínio das cores e das idades das pessoas que, quando as pessoas ficam muito velhinhas morrem. Na cabeça dela se as pessoas escuras são velhinhas, então em breve vão morrer.
Achei engraçado o facto de , actualmente com quatro anos a menina continuar a acreditar na primeira definição que lhe foi transmitida acerca da cor da pele das pessoas. Agora, e embora a mãe esteja a tentar desmistificar a situação, explicando-lhe já por A + B que há meninos de várias cores e que isso tem a ver com o sol, a pequena não deixa de lado a primeira lição sobre esta diferença e responde...
-- sim, este menino é mais escuro porque apanha sol e... Porque é velhinho!
Com esta história gostaria apenas de colocar em cima da mesa o peso que têm as primeiras impressões e definições conceptuais no cérebro das crianças. Acredito que, as primeiras definições que nos são explicadas para os fenómenos do mundo e para as diferenças e distinções sensoriais para as quais necessitamos imperiosamente de achar uma causalidade explicativa, têm uma importância extrema e determinante na formação dos nossos valores, ideias e impressões. Pessoalmente acredito que , não obstante todas as explicações lógicas que lhe podem ser incutidas a partir de agora, a ideia de que as pessoas mais escuras têm um grau de antiguidade mais elevado ficará gravada no "Hardware da mente" desta criança e que apenas a cuidada elaboração de um "Software mental" de emulação (virtual machine) poderá ajudar a reparar esta configuração de base erradamente "imprinted", mas nunca a eliminando por completo.
De alguma forma a criança explicou para si mesma uma diferença sensorial evidente. Estas explicações da diferença podem claro ser múltiplas e explicarão a "especificidade" da diferença encontrada ao nível dos sentidos. Se esta operação é impossível de evitar, o que poderá variar será o teor da justificação/explicação.
De qualquer forma este exemplo servirá para nos ajudar a reflectirmos sobre as nossas próprias valorizações relativamente ás outras raças, culturas, religiões, sexo, género ou orientações sexuais que são alguns dos grandes alvos da discriminação social, e em que medida estes se devem à cultura, ás tentativas de explicação dos fenómenos por parte dos pais aos seus filhos, das percepções expontaneas das crianças sob a forma como a sociedade que a circunda valoriza essas diferenças, e ás discriminações negativas ou mesmo ás positivas.
8 comentários:
Gostei de chegar aqui, ao teu blog.
parece que agora o discurso antropológico da discriminações positivas e negativas, do relativismo, das valorações te serve...então em que ficamos??Académica ou populista?Preto ou branco? Apesar do branco poder ser preto noutro contexto, né??lol
É bem verdade que ainda não sabemos a totalidade dos efeitos das primeiras impressões nas crianças. Primeiramente, parece-me claro - e no entanto não óbvio - que esse medo se deve aos preconceitos - atenção que falo de um tipo básico de preconceito, um ainda não nocivo - que criamos de modo a desconfiar do que nos é desconhecido. Se toda a sua aprendizagem foi efectuada de uma maneira e depois lhe aparecer um elemento que destabilize essa ordem - mental - criada então haverá confronto (na mente da criança). Falo por experiência. A minha namorada é de origens caboverdianas e o meu sobrinho - de 5 anos - demorou até se aperceber da relatividade das diferenças, ainda assim há casos em que se nota que se deve somente ao medo do desconhecido, tem uma aura mística qualquer para nós enquanto crianças.
hehe , Lughosis contrataca mas perde-se, a meu ver, nas definições fundamentais.
Primeiro, o discurso das discriminações positivas, negativas e valorativas sempre me serviu, basta que se percorram os posts da minha autoria ao longo deste blog. A verdade é que jamais poderei ou deverei sequer alhear-me da realidade que me circunda, e é precisamente pelo facto de as valorizações estarem em todo o lado é que também costumo assumir e deixar claras as minhas próprias valorizações.
Mas voltando ao erro fundamental na comparação deste post com os anteriores. Considero-a tão errada quanto o é confundir-se ciência fundamental com engenharia.
Um artigo onde se discorra sobre desenvolvimento arquitectónico, urbanístico ou civilizacional remeta-nos sempre para o plano da obra, da construção seja ele o da pedra sobre pedra ou da lei escrita.
Quando falamos sobre os processos de pensamento, valorização e hierarquização diferencial e todos os demais processamentos inerentes ao funcionamento da mente dos seres humanos, entramos num universo que, tal como salientou e a meu ver, muito bem o Henrik, é em larga medida desconhecido sobretudo porque as variáveis que influenciam os julgamentos e apreciações são múltiplas e para já incomensuráveis. Por isso mesmo deveremos sempre de aborda-lo com toda a reserva que compete ao ignorante. O mesmo já não se pode dizer da implementação de políticas de engenharia urbana, altamente planeadas, pensadas e só muito raramente cumpridas, algo que a meu deveria de continuar a merecer toda a critica possível e não a ser desculpada com a velha história dos relativismos culturais. Depois porque voltando um pouco a face á moeda quer-me parecer que até se torna bem visto acabar com os ditos "relativismos culturais" se isso for contra os nossos "valores fundamentais" tais como o são os direitos das crianças, o direito à igualdade, á punição da escravatura entre tantos outros actos menos "correctos” ainda existentes em muitos países do mundo. Resta-me perguntar onde está a nossa relatividade cultural quando levantamos a voz nesses momentos?
Ou afinal as criticas serão validas para filhos… mas não para inteados?
Sapiens, lá estás tu na questão da guerra...contra-ataque??? mas ok...
Enteados...filhos...mais um lugar comum...o que tu ainda não entendeste, é que não está em causa o discordar das tuas críticas, mas sim parecer-me que abordas as questões com a arrogância dos comentadores televisivos, que falam de tudo e portanto de nada, apenas isso. Tendo em atenção os objectivos deste blog, quando te contactei para te associares a ele ( e ele não tinha durado tanto sem a tua presença e estou a falar a sério), a verdade é que o comentário do tipo televisivo, agressivo, superficial e de crítica fácil que ouvimos a toda a hora e em qualquer sítio (metro, super mercado, etc.), tem imperado nalguns dos teus posts. Pois bem, aceitando como é óbvio, que tenhas convicçoes, bem como um sentido crítico apurado, não posso deixar de exercer o meu, principalmente porque nunca o fiz em posts, mas sempre em comentário aos teus posts, coisa que não sucedeu contigo. Aproveito igualmente para te dizer que crítica e posturas diferentes, não são represálias, como afirmaste num dos teus posts, a não ser que as tuas críticas sejam críticas e as dos outros represálias. Nesse caso estariamos perante um monopólio da crítica, ou bem vistas as coisas, um cartel quando partilhado pelo pouco engraçado :)e isso para mim népias. Criticas logo existes, mas os outros também existem...né?? De alguma forma a necessidade de uma revolução coperniciana, substituindo o geocentrismo, pelo heliocentrismo...tipo...afinal é a terra que gira à volta da lua e não o contrário.Fica bem e boas reportagens:)
O tipo de comentário que apelidas de arrogante e televisivo parece contrastar na verdade com a insipiência de comentários onde de tanto se quer falar de tudo, acaba por não se dizer nada... Comentários onde se presencia a materialização viva de um epicurismo bacoco...algo que muito sinceramente não faz parte do meu carácter.
Se a minha postura te pode parecer autoritária e arrogante nas tuas próprias palavras, é-me igualmente legítimo considerar a tua insípida e inexpressiva, elementos que não considero estimularem quer a discussão quer a reflexão e que, em ultima instancia, convergem para a inutilidade da expressão em causa.
Por outro lado reservo-me no direito de não considerar os comentários que teço de superficiais, e que talvez superficialidade seja a critica mais imediata de quem por algum motivo não os compreende, deles discorda ou contra aos quais não sabe argumentar.
Relativamente ao conteúdo dos posts, ou ao acerto que não fizemos (mas que talvez devêssemos de ter feito) antes de iniciarmos esta "aventura" confesso que não me ocorre falar das coisas por falar...não me ocorre compor passar por aqui para postar poesia, ou falar do céu porque é bonito ou porque especialmente hoje está fresquinho e tal, mas sim para falar das coisas por uma necessidade interna de partilha e de busca de reflexão conjunta.
Decerto que todos somos diferentes, e que todos temos o direito e o dever de discordar, cabe-nos igualmente respeitar a visão do outro, os pensamentos, sentimentos e motivações alheias, tudo elementos para as quais temos vindo a ser sensibilizados. Aliás tem vindo sempre a ser esta a minha postura... se não nos posts, sempre nos comentários que tenho deixado aos posts dos colegas!
Finalizo deixando claro que se por ventura nos encontramos no monopólio da critica, então como tem ficado bem claro nos ultimos tempos, estamos claramente no monopólio da critica ao políticamente incorrecto. Isto porque é BONITO criticar os meninos que dizem coisas feias para que fiquemos todos limpinhos de consciência e postura... não vao outros achar-nos feios e maus e percamos o nosso prestigiozinho académico...
Antes de sair gostaria apenas de saber se é necessário ser-se Epicurista bacoco para se pertencer ao blog, ou se podemos continuar a ser nos mesmos... se for a primeira opção é avisar que deixo a chave na recepção.
Não precisas deixar a chave na recepção, permiti-te sempre o direito de resposta, podia simplesmente remover-te, não o fiz, já tu, parecias querer estar no meu lugar para o poderes fazer, para que não te visses numa situação desagradável, "em que pudesses sofrer represálias", qual refugiado político lutando pela democracia na clandestinidade.
Relativamente ao que falámos inicialmente, visto que pareces esquecida, eu vou recordar-te: mostrar o que era a antropologia a um maior número de pessoas, inclusivé o que estávamos no momento a fazer, aproveitando um veículo privilegiado para o efeito, como é a internet. Em muitos posts isso não sucede, antes pelo contrário. A grande questão é que aparecem conformados por conceitos antropológicos, a que chamas idealistas, podendo induzir em erro quem lê, fazendo querer que é antropologia aquilo que não é. Outros posts não são claramente antropológicos e nesse caso nada a dizer, pois também existe espaço para isso, o que não existe é espaço para a confusão.
Neste blog a palavra chave é antropologia e não sapiens...será de sapiência?Apetecia-me dizer-te que antes de usares palavras como epicurista e bacoco, devias de dominar algumas mais simples (como represália) e não só no seu significado.Em determinada altura, aqui neste blog, uma anónima criticou a forma como alguns "intelectuais" escreviam, nessa altura achei injusto, neste momento acho que seria importante releres o que foi dito,porque dessa forma talvez optasses por corrigir certos aspectos, antes de recorreres, como já disse atrás, a outro tipo de palavras e conceitos ímplicitos. Agora tenho que ir, pois tenho mesmo que pagar renda, água, luz, gáz, net, passes, gasolina and so on e podes crer que é uma merda!
Outro aspecto importante, o comentário que foi excluído no espaço relativo a este post, não o foi por mim, isso deixa sobressair dois aspectos, um é o de que te dei acesso à administração do blog, o outro é o de que alguém se sentiu mal com o que foi escrito ou então que se excedeu. Afinal quem silencia? Quem entra por um lado e sai por outro? Até hoje não removi nenhum comentário...Sei bem quando existe manipulação, é geralmente característica de pessoas inteligentes, contudo deve ser usada com algum sentido de justiça e verdade.
E para te mostrar que isto não é uma questão pessoal, mas sim de critérios, devo dizer-te que tens muita garra e é notório que és inconformada, o que é óptimo quando nos conseguimos situar. Certamente vais atingir os teus objectivos, mas...a humildade é também importante.
A decisão é tua, se sais ou não, eu não te vou remover, não vejo motivos para o fazer no momento, não obstante ficaram aqui vincados os meus pontos de vista, tal como sublinhaste os teus.
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