Um estudo realizado por uma investigadora portuguesa na floresta de Bossou, na Guiné-Conakry, no âmbito de um trabalho de equipa luso-japonês, descobriu o quebra-nozes de pedra mais complexo construído por chimpanzés selvagens até agora encontrado. "Trata-se de um quebra-nozes constituído por quatro elementos de pedra, um martelo, uma bigorna e dois calços, quando até agora só eram conhecidos instrumentos com três componentes", explica Susana Carvalho, estudante de doutoramento na Universidade de Cambridge e primeira autora do estudo, a publicar na próxima edição impressa da revista científica Journal of Human Evolution e já disponível online.
O estudo, que resultou de um trabalho de campo realizado em Bossou entre Janeiro e Maio de 2006, combinou técnicas de arqueologia e primatologia e juntou investigadores da Universidade de Coimbra, Universidade Nova de Lisboa e Universidade de Quioto (Japão). Para Susana Carvalho, do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra, a capacidade cognitiva necessária para combinar simultaneamente quadro pedras e uma noz "indicia que os chimpanzés são capazes de complexificar mais o seu comportamento durante a utilização de ferramentas de pedra do que se pensava". Cláudia Sousa, especialista em primatologia na Universidade Nova de Lisboa e co-autora do trabalho, disse à agência Lusa que este confirma "as semelhanças entre as ferramentas de pedra criadas pelos chimpanzés e os artefactos de pedra usados pelos primeiros hominídeos, há 2,5 a 2,6 milhões de anos". Esta docente do Departamento de Antropologia da UNL, que desde 2001 faz trabalho de campo periódico em Bossou, perto da fronteira da Costa do Marfim e da Libéria, sublinhou que aquelas semelhanças são especialmente evidentes nas características físicas das pedras usadas nos instrumentos. Outra das novidades do estudo foi mostrar que os chimpanzés utilizam, seleccionam e reutilizam as mesmas ferramentas durante períodos longos de tempo, num processo que se inicia com a escolha das pedras e termina com o seu abandono quando deixam de servir para a função pretendida. Além disso, salienta-se nas conclusões do trabalho, o comprimento, a largura e o peso das pedras determina que estas sejam usadas ou como martelo ou como bigorna ou calço. A equipa verificou ainda que os chimpanzés transportam as pedras de uns locais para outros, mesmo quando são pesadas, o que sugere um sentimento de posse por certas ferramentas e uma percepção da relação qualidade-eficiência das ferramentas. Na perspectiva de Susana Carvalho, esta observação reforça a ideia de que estes chimpanzés agem "de forma mais próxima ao nosso ancestral comum, no que diz respeito às primeiras tecnologias". O trabalho contou com a colaboração do Professor Tatsuro Matsuzawa, do Primate Research Institute da Universidade de Quioto, que desde 1976 investiga a inteligência, o comportamento e a cognição nos chimpanzés selvagens - referiu Cláudia Sousa, que estudou durante mais de quatro anos naquela universidade, onde terminou o mestrado e concorreu ao doutoramento em Ciências Biológicas e Primatologia. Participou também no trabalho, como orientadora, a antropóloga Eugénia Cunha, docente do Departamento de Antropologia da faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Cláudia Sousa está a trabalhar noutro projecto de investigação em África, nas florestas da região costeira do sudoeste da Guiné-Bissau, que visa estudar a distribuição das comunidades de chimpanzés naquela área, onde estão ameaçados pela perda de habitat resultante de actividades agrícolas, e a sua relação com as comunidades humanas locais.
retirado de: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=26375&op=all
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