sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Abordagem EMIC / Abordagem ETIC - duas formas de fazer antropologia


Emic e Etic, termos sugeridos pelo linguista Kennet Pike em 1954, procuram establecer uma distinção entre as abordagens que a antropologia pode adoptar aquando da análise de um mesmo objecto. Esta Distinção poderá ser feita de acordo com a seguinte tabela sugerida por Carlos Reynoso em "Correntes em antropologia Contemporânea".


Comparativistas--------------------------Particularistas
Ideal das ciencias naturais------------Ideal das humanidades
Busca da explicação--------------------Busca da compreensão
Sintese comparativa -------------------Análise do particular
Busca de leis gerais ---------------------Registo de casos unicos
Tendencia para o materialismo -------Tendencia para o idealismo
Abundante reflexão metodológica -----Atitude anti-teórica
Etnologia-----------------------------------------Etnografia
Procura traços comparáveis------------Procura a cultura em sí mesma
Desenvolvimento quantitativo ------------Exaltação do qualitativo
Enfase nas corelações impessoais-------Recuperação do individualismo metodológico
Formalismo -----------------------------------Substantivismo


Relativamente ás correntes e abordagens podemos facilmente acrescentar:

ETIC ---------------------------------------------EMIC
Estruturalismo e funcionalismo --------Culturalismo
Tendencia biologizante ------------------Tendencia psicologizante
Da parte para o todo ---------------------Do todo para a parte


Estas diferentes abordagens, perante os mesmos objectos de estudo, têm produzido correntes, conteúdos e resultados cientificos distintos. Enquanto que uma abordagem ETIC está tendencialmente mais ligada á antropologia biológica, á mental binarista bem como a toda aquela que pretende descobrir / formular os grandes postulados do comportamento humano, a abordagem EMIC procura encontrar a especificidade de cada aspecto do individuo e da sua cultura, constituindo em ultima instancia muita da matéria prima utilizada pelos estudiosos que recorrem á abordagem ETIC.

Enquanto que a abordagem ETIC procura medir, comparar e esquematizar lógicamente a realidade sem recurso á subjectividade discursiva dos individuos, a abordagem EMIC procura descobrir as especificidades de cada contexto em particular, recorrendo inclusivamente á interpretação nativa dos factos.

A antropologia apresenta-se assim como uma ciência charneira entre as ciencias exactas e aquelas que até hoje são consideradas não exactas por carecerem da quantificação subjacente á definição do termo.

Desta forma a Antropologia enquanto ciencia terá uma definição ampla assente em multiplas plataformas teóricas e metodológicas onde cada um de nós poderá ir ao encontro quer de particularidades quer de universalidades oscilando entre todas as oposições que a própria dualidade humana implica.

Livros e artigos online


O Blog Antropo-Reflexoes tem uma nova secção.
A partir de agora serão disponibilizadas algumas obras Antropológicas em formato PDF na secção "Livros e artigos cientificos online"

Esperemos que vos sejam úteis


Boas Leituras

:)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Genocidios de povos indigenas ao longo do século XX

Group Name - Country - Date(s)

Africa

Bubi - Equatorial Guinea 1969–79
Dinka,Nuer - Sudan 1992–93
Herero - Namibia 1904–7
Hutu - Burundi 1972,1988
Isaak - Somalia 1988–89
Karimojong - Uganda 1979–86
Nuba - Sudan 1991–92
San - Angola,Namibia 1980–90
Tuareg - Mali,Niger 1988–90
Tutsi - Rwanda 1994
Tyua - Zimbabwe 1982–83


Asia and the Pacific

Armenians - Turkey 1915–18
Atta - Philippines 1987
Auyu - West Papua,Indonesia 1989
Cham - Kampuchea (Cambodia) 1975–79
Dani - Papua New Guinea 1988
H’mong - Laos 1979–86
Kurds - Iraq 1988,1991
Nasioi - Bougainville,Papua N.G. 1990–91
Tamil - Sri Lanka 1983–86
Tribals - Chittagong Hills,Bangladesh 1979–present



Latin America and the Caribbean


Ache - Paraguay 1966–76
Arara - Brazil 1992
Cuiva - Colombia 1967–71
Mapuche - Chile 1986
Maya Indians - Guatemala 1964–94
Miskito - Nicaragua 1981–86
Nambiquara - Brazil 1986–87
Nunak - Colombia 1991
Paez - Colombia 1991
Pai Tavytere - Paraguay 1990–91
Ticuna - Brazil 1988
Yanomami - Brazil 1988–89,1993


North America

Indians - United States,Canada 1500s–1900s



Totten, Samuel, Et. al Confronting Genocide and Ethnocide of Indigenous Peoples - An interdisciplinary Approach to Definition, Intervention, Prevention and Advocacy
In Annihilating Difference - The anthropology of Genocide (2002) by Alexander Laban Hinton

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A riqueza das nações, Adam Smith. Breve resenha histórica da economia e dos fundamentos do economicismo

Viver em sociedade pressupõe disponibilidade para o intercâmbio que, por razões que lhe são imanentes, conduziu o homem, enquanto espécie considerado, à divisão do trabalho. Tal princípio ocorre tão naturalmente como a aprendizagem da língua. Ao nível da economia, a divisão do trabalho é a grande causa do aumento da capacidade produtiva e ocorre primordialmente em momentos de estabilidade social, evoluindo tendencialmente para novas subdivisões, como elos de uma corrente que se acrescentam, sem se excluírem. Adam Smith começa por se referir às artes insignificantes, que na sua óptica são aquelas que suprem as necessidades de grupos reduzidos. Exemplifica com a produção de alfinetes, em que o número de trabalhadores é baixo, o que considera ser consequência da especialização do trabalho. Neste tipo de produção assiste-se à execução, pelo mesmo sujeito, de duas ou três tarefas distintas, não correspondendo por isso à divisão do trabalho strictu sensu, implicando de qualquer forma um já apreciável aumento de produtividade. A estes ofícios menores, assim considerados sob um ponto de vista economicista, em virtude do escasso mercado a que correspondem, opõem-se as grandes industrias que visam satisfazer necessidades em larga escala, para as quais existe um vasto mercado a preencher.Nestas, o processo produtivo exige um número maior de indivíduos, sendo que, nestes casos a divisão do trabalho é maior, apesar da sua menor visibilidade, devida à superior dispersão dos trabalhadores, que pela sua quantidade não caberiam numa só oficina.
O que se verifica, é que em ambos os casos a divisão do trabalho, seja em que grau for, acarreta sempre um aumento dos poderes produtivos do trabalho. Este princípio é característico das sociedades mais ricas e opulentas em termos económicos. Adam Smith, aponta igualmente, diferenças práticas do referido princípio, conforme se aplique à agricultura ou à indústria. A agricultura está condicionada pela sazonalidade que lhe é inerente, o que por motivos economicistas lógicos, impede o empresário agrícola de manter um homem constantemente empregado numa função que carece de regularidade, pelo carácter cíclico das estações. Ou seja nas sociedades mais ricas, a solos mais férteis, maior capacidade produtiva, maior investimento não corresponde necessariamente a colocação de produto mais barato no mercado, na medida em que o princípio da divisão do trabalho é condicionado pela sazonalidade específica dessa produção agrícola. Deste modo, segundo Adam Smith, a concorrência dos países mais pobres com os mais ricos sofre menos restrições, sendo possível por parte dos primeiros a colocação de produtos no mercado a preços concorrenciais. Assim, temos que a divisão do trabalho gera aumento da quantidade de trabalho, a qual é explicável pela relação que se estabelece entre os seguintes factores:
- Aumento da destreza do trabalhador.
- Poupança do tempo que se perde ao passar duma actividade para outra.
- Invenção de um grande número de máquinas que facilitam e reduzem o emprego de energia humana, de tal forma que um só homem realiza o trabalho de muitos.
Na altura em que Adam Smith, editou a obra de que nos ocupamos, já a primeira fase da revolução industrial estava em curso, o ferro, os tecidos, o vapor, estavam já em franco desenvolvimento, no que à sua utilização diz respeito. Os movimentos protestantes de Calvino, e em menor escala Lutero introduziram com o renascimento a especulação com os juros bancários, uma outra significação foi atribuída ao trabalho, a vocação e a devoção eram a forma de realizar os desígnios de Deus em terra ( WEBER, 1996 [1905]: 57). Aproximava-se a revolução Francesa de 1789, grandes filósofos como Kant reestruturavam a relação dos sujeitos com os objectos (Revolução Coperniciana), Hegel um pouco mais tarde, com o seu colectivismo metodológico, abarca todas as áreas de acção humana no espírito mundial, que progride com racionalidade histórica, e se é racional, contém implicitamente um certo grau de previsibilidade (o padrão da lógica é a matriz económica, Shumpeter), ao qual se acrescenta o materialismo histórico de Karl Marx, com profundas consequências na economia, doravante equacionada como intimamente relacionada com os elementos históricos e sociais, sendo que o valor da mercadoria está na quantidade de trabalho socialmente necessária para a produzir, o que, já no séc.XX viria a ter actualização e desenvolvimentos com “Les annales d`his toire économique et social”, onde desempenham papel de relevo Lucien Febvre, Marc Bloc e Braudel.
Nesta ambiência, distingue-se o trabalho produtivo do não produtivo, os rituais característicos da ciclicidade agrícola sofrem severos danos na sua estrutura, a racionalidade, o cálculo, o economicismo (BOURDIEU, 2002 [1972]: 242-247) transformam os seus contornos, o capital simbólico não desaparece mas, reformula-se. Durkheim, no trabalho que constituiu a sua tese de doutoramento, “Da Divisão Social do Trabalho”, refere-se às sociedades de solidariedade mecânica como aquelas em que cada um desempenha qualquer função, por oposição à solidariedade orgânica em que se assiste à especialização de funções como consequência das variáveis independentes, volume, densidade material e densidade moral que produzem variáveis dependentes como a arte, o direito, a economia, etc…Estas variáveis são dependentes porque residem no individuo, quanto maior for o seu número, maior será a divisão social do trabalho. Para Durkheim a economia constitui o sector mais profano das actividades do ser social, e na sua lógica de consenso, propõe as corporações como forma de mitigar os conflitos e anomias dela resultantes. Na economia ocupa lugar de destaque o contrato, também a ele Durkheim presta atenção, sem no entanto fugir aos pressupostos do seu pensamento. A sociedade pré-existe ao individuo, é dela que surge a divisão do trabalho e como sequência destas o contrato, como forma de regular juridicamente uma tendência natural da sociedade. Considero que neste aspecto, Adam Smith partilha destas ideias, visto que, também ele faz derivar da cooperação, acto só possível em sociedade, a divisão social do trabalho. O comportamento económico não é um acto de altruísmo, baseia-se no cálculo das minhas necessidades e na forma de as suprir, recusando o desperdício (NEVES, 1994: 29), através do relacionamento com o outro. Não é da boa vontade do homem do talho, que posso esperar ter um bife à mesa, mas sim do seu interesse (NEVES, 1994). Neste sentido, a construção racional baseada na ideia de que a antropologia surge para diminuir a questão entre o eu e o outro, o nós e o eles, (CASAL, 1996: 12), faz todo o sentido na abordagem antropológica das questões relacionadas com a troca, sendo que a economia não se resume às trocas financeiras, a decisão de ler um livro ou ir ao cinema, envolve igualmente custos e benefícios, que o agente pode e deve ponderar. Talvez a antropologia, consiga incutir um pouco de bom senso e humanismo, refreando o ímpeto do imperialismo economicista que se abate sobre as sociedades contemporâneas (NEVES, 1994: 15-17). Sendo relevante realçar, que a divisão do trabalho não opera em exclusividade na economia, fá-lo igualmente relativamente a outras instituições sociais, como a família, as escolas, etc..., pelo que se considera um fenómeno social total (Marcel Mausse), exigindo a interdisciplinidade para a sua compreensão. Esta tendência errada, para ver a economia como exclusivamente ligada às escolhas materiais (Neves, 1994: 13), decorrerá provavelmente, de um crescente consumismo, que fez com que ao longo de dois centúrios, a teoria do valor, que o incorporava na própria mercadoria sob a forma de unidades de trabalho/tempo, se deslocasse para uma teoria de pendor subjectivo, em que valor reside na utilidade que essa mercadoria tem para quem a consome, esse processo inicia-se com a escola de Viena, desenvolvendo-se com Stanley Jevons, Walras (Esc.Lausanne) e Alfred Marshal, atribuindo este, especial relevo à racionalidade e equilíbrio da decisão económica.
SMITH, Adam (1999 [1776]) ”Da Divisão do Trabalho” in A Riqueza das Nações, Vol. 1, Lisboa, Edições Calouste Gulbenkian, pp.77-91.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Antroposfera

É com prazer que verifico que se multiplicam na net blogs de conteúdo antropologico ou com esta actividade relacionados, é positivo e demonstrativo de alguma vitalidade no meio. Alguns têm uma óptima qualidade, não desmerecendo os demais, um sobressaiu, captando de imediato e minha atenção, a saber, o "comunidade imaginada". Nos meus passeios cibernauticos deparei-me com outros factos interessantes, nomeadamente a existência de blogs que para além de cumprirem a sua função enquanto tal, constituem-se como instrumentos adicionais de comunicação entre professor e alunos (do autor da oficina da etnografia) , gostei da ideia, embora a minha opinião seja completamente irrelevante. Nos antípodas, verificamos a existência de um outro tipo de blogs, que como todos os outros nascem da necessidade consciente ou inconsciente da troca (comunicação) de palavras, entre quem escreve os posts e quem comenta ou apenas lê, só que neste caso revelando-se como veículos de auto-promoção e simultâneamente como palcos de difusão de ideologias políticas e muitas vezes posicionamentos sociais, tendencialmente ideológicos, revelando enraizadas dinâmicas de poder não assumidas publicamente, enquanto tal, no próprio blog. Seja como for, todos eles revelam que a antropologia está viva, seja através dos aspirantes a antropólogos, antropólogos, professores ou gerontes da antropologia, detentores dos seus (da antropologia) objectos sagrados, no fundo os sacerdotes a quem se deve um respeito especial. O que interessa é que todos andamos por aí e isso é bom.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Ano novo e mais do mesmo

Ano novo, vida nova...ou talvez não, não tenhamos ilusões. As pessoas apenas se movem, sem consciência que apenas executam o que lhes é permitido fazer, ainda que usufruindo ilusoriamente de uma sensação de liberdade. Parafraseando alguém com enorme importância na minha formação académica e antropológica: "aquilo que verdadeiramente distingue o homem do macaco é a sua capacidade de se iludir".
Iludimo-nos com as democracias, com a liberdade de voto, com alguns euros no bolso (ou outra moeda), com um casamento sumptuoso, enfim...esquecemos que talvez nunca tenhamos sido tão dominados pela liberdade falada, escrita e propagada. O petróleo sobe em flecha, em seu nome e em parte, são levadas a cabo novas e "civilizadas" cruzadas, sublimando heróis e inventando vilões. Mata-se em nome da justiça e da democracia, como se ambos fossem produtos naturais e não historicamente criados, algo de inato ao ser-se humano, mas infelizmente não humanista. Mais um ano de ilusão profunda, disfarçada pela aquisição de um carro topo de gama ou por uma viagem há muito esperada, outros, os menos afortunados, por umas idas à praia de carcavelos ou com a aquisição de um carro usado. No fundo...todos diferentes, mas todos iguais, tentando apaziguar a contradição imanente à condição de nos iludirmos e pintarmos o mundo de diferentes cores, num palco de lutas múltiplas de intersubjectividades acrescidas, pelo desconhecimento do outro, começando na maior parte dos casos pelo vizinho do lado (mais um lugar comum...que se lixe!). Em suma...mais uma ano em que aquilo que verdadeiramente nos pode fazer felizes, a capacidade de nos iludirmos, pode também constituir a nossa maior fragilidade: a desilusão. A contradição imanente a sermos humanos, manifestando-se no princípio e no fim, ainda que elevado ao absoluto, o próprio fim seja apenas parte do infinito. Bom ano!(Bahh!!mais um lugar comum...que merda!Os lugares comuns perseguem-me)...